segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O despique da pombinha no barranco do Martinelo






01 Francisco Maria
02 Constantino da Casa a Baixo
03 Manuel Morteiras
04 Jorge Romano
05 Alberto Raposo
06 Manuel das Antas
07 António da Costa Reis (Algarvio)
08 Francisco (Canhunga)
09 ?
10 Joaquim Mestre ou do Funchalinho
11 Manuel Guerreiro “Bruxo” (poeta e fadista)
12 Zeferino da Casinha Nova
13 Aníbal dos Santos Carvalho
14 João do Moinho
15 António Maria
16 ?
17 Jorge do Moinho
18 Jacintinho era de Melides e tocava viola
19 Henrique Peixeiro
20 António dos Santos (fadista)
21 Joaquim Ventura tocava guitarra
22 Eduardo Feiteiro
23 Carlos Costinha
24 Carlos Pernéu
25 Constantino Peixeiro
26 Jacinto Caetano
27 Raul Nunes
28 Chico das Bicicletas era de Grândola
29 António Morais
30 António Carvoeiro
31 Francisco Romano
32 José Pedro (Rei dos Malhadais) era poeta
33 António Rufia
34 Joaquim Católico
34 a) António Caetano tocava guitarra
35 Leonor
36 Carlos Branco
37 José Cortoiro
38 José dos Santos
39 Carlos Silva era fadista
40 António Romano (dono da terra onde se realizava
a festa, fazia cantigas)
41 Quirino tocava guitarra e viola era de Grândola
42 José Amaro tocava viola e era de Grândola
43 Policarpo Serrão
44 José Cachopo
45 Francisco ou José Machado



O despique da pombinha no barranco do Martinelo

São quase cinquenta. Todos homens. Estão sentados, quase todos, e olham a máquina que os fixará para a posteridade, que registará o dia e o momento. Muitos vestem casaco e usam chapéus de aba larga, gravata, nalguns já desalinhada, os nós a desfazer-se. Vêem-se pratos e garrafas e copos, vazios. Dois empunham guitarras, outro uma concertina. São poucos os que, hirtos e graves, posam. Nos demais há descontracção, sorrisos..., um à-vontade de festa bem andada.
A velha fotografia, amarrotada, vincada, manchada aí está, como que mantendo aceso um fio de memória, mesmo fragmentada, incompleta, insuficiente para quem queira agarrar mais do momento, da situação, do contexto.
Hoje, quase 70 anos depois, num fim de tarde breve, de inverno, em S. Francisco, aldeia da serra chamada ora de Grândola, ora de S. Francisco, que, paralela ao mar, corre para sul, prolonga-se na de Odemira e vai colar-se às serranias algarvias, na praça da aldeia, à sombra da igreja, José Simões e o irmão, Jorge, e António Caetano que se nos junta, identificam, um a um, as quatro dezenas e meia de convivas que a fotografia fixou.
Constantino da Casa Abaixo, Francisco Canhunga, Joaquim do Funchalinho, Zeferino da Casinha Nova, João e José do Moinho, Manuel das Antas, Carlos Pernéu, Henrique Peixeiro, o Chico das bicicletas que era de Grândola, António Carvoeiro, José Cortoiro, António Rufia, Policarpo Serrão...
Também a Leonor, ainda agora viva, menina de colo, nos braços do pai, Joaquim Católico, pouco antes da tragédia pessoal com que quis antecipar a morte e que permite hoje datar com razoável certeza a data da fotografia – 1935.
E por entre tão compacto cenário feito de gente, José Pedro Guerreiro, o rei do carvão ou rei dos Malhadais, poeta popular desmarcado e o irmão Manuel, o Bruxo, também poeta e fadista. Dois nomes que a memória oral, passada de geração em geração mantém até hoje como nomes maiores de uma aldeia da serra, úbere de montado de sobro, fecunda de cortiça.
Aprenderam-lhes os nomes na meninice, conheceram-nos de vizinhança, foram-lhes por várias vezes lembrados, ensinados pelos pais, pelos mais velhos. E aí estão agora, a cerzir esses fios da memória, à volta da velha fotografia, quando o dia se escoa, para que não se rompam na eternidade do esquecimento.
No dia de Maio, perto da aldeia, junto ao barranco do Martinelo, encostados ao cerro da Senhora do Livramento fizeram a festa. Chamaram-lhe Festa dos Bons Amigos!
Como o “Bruxo” e o “Rei”, outros mais também cantavam e tocavam – António dos Santos e Carlos Silva, fadistas; o Jacintinho, que era de Melides e tocava viola; Joaquim Ventura, tocador de guitarra, como um outro Joaquim, o pai da Leonor; António Rufia com a sua concertina; António Romano, dono da terra onde abancavam, que fazia cantigas; o Quirino, de Grândola, que tanto tocava guitarra como viola ou o José Amaro, também de Grândola, igualmente dado à viola.
Não era a primeira vez que o faziam, nem teria sido a última. Nesse ano, o tema do despique, porque era esse um ponto forte do ajuntamento, era A Pombinha, apenas.
Era um tempo que não duraria muito mais. Terminaria com a desagregação das sociedades rurais e dos ritos e sociabilidades com que se construiu e moldou. Parecia ser já um prenúncio desse fim. A ausência de mulheres, o vestuário na fronteira com o urbano, o carácter grupal, masculino, do convívio entre o cantar e o tocar, o comer e o beber, mais próximo da venda e do serão, do que das velhas festas pagãs do primeiro dia de Maio, festas de raízes perdidas na noite do tempo, também chamadas das Maias, que celebravam a fertilidade e o fim da puberdade, festejando o fim da metade escura do ano e o início dos dias grandes, cheios de luz, com a chegada da Primavera.
Nesta fotografia da Festa dos Bons Amigos, que um fotógrafo anónimo nos deixou, que as recordações de um tempo ido justificaram conservar e que a memória ainda viva minudenciou e enriqueceu, converge a ideia de que a História também é isto, registo, conservação, evocação de gestos e factos pelos que os viveram, herdaram e valorizaram e que, de outro modo, se perderiam no labirinto dos quotidianos e no peso esmagador das grandes narrativas oficiais, legitimadas pelos poderosos de cada tempo.

João Madeira*
* com a colaboração de Carla Chainho, que cedeu a fotografia e trabalhou no terreno

In Revista Cena's n.º 4

1 comentário:

Anónimo disse...

é muito engraçado ver estas recordações , é muito giro estes costumes que se faziam....